© VICTOR M. SANT’ANNA – 2011
Oi, tudo bem? Como vão? Estão confortáveis? Estão bem acomodados? Acho que vocês sabem que eu sou a Agripina, né? O nome desse monólogo é “Agripina, A Menor”, se é um monólogo, só tem um personagem, então é claro que eu devo ser a Agripina, certo?
Eu estou aqui só para reclamar uma coisa. Não gosto de ser chata, mas eu tenho que falar: por que é que traduziram meu nome por “Agripina, a Menor”? Tudo bem querer diferenciar: minha mãe se chamava Agripina também. Naquela época quando a gente tinha um nome feio passava para os filhos pra não sofrer sozinho… Então eu também sou Agripina. Mas a tradução do meu nome podia ser “Agripina, a Jovem”, não é? Claro que, daí, ia ter de chamar minha mãe de “Agripina, a Velha” e ninguém merece ser chamada de velha! Coitada da velha! Mas podia ser ainda pior pra ela, quando um autor traduz o meu nome para “Agripina, A Menor”, o da minha mãe vai ser “Agripina, a Maior”, vai parecer que sou filha de uma baleia! Se resolver me chamar de “Agripina, a Segunda”, vai diminuir a minha importância… Reclamei tanto disso que o autor estava pensando em me chamar de “Agripina, a filha”… “Da Puta”… Mas ia ser injusto com a minha mãe, coitada: ela foi uma das mulheres mais virtuosas, CDFs, comportadas e chatas de Roma…
Por que chamam gente certinha de CDF? Cu-de-ferro… Se gente correta a gente chama de CDF, minha mãe era uma CDA: Cu-de-aço. Minha mãe era um modelo de virtude… Eu não tenho nada dela… E nem queria mesmo, fui muito mais importante! O autor devia me chamar “Agripina, a Importante”. Eu não aceito que me chamem de “A Menor”… Os autores tem essa mania de inventar o que querem para os personagens, mas eu existi, não podem ficar escrevendo o que quiserem de mim só porque eu já morri. Os escritores são uns caras muito estranhos, ao invés de se divertir vendo Faustão, preferem passar o domingo escrevendo… Escritor é aquele cara que se diverte inventando personagens malucos que levam uma picada de aranha num laboratório de química e saem atirando teias por aí, isso é ridículo… E ainda me chamam de “A Menor”. Eu fui real. Eu fui importante! Vocês pode até pensar:
— Ah ela já morreu faz 2 mil anos, eu não vou ficar escutando essa chata!
Vai escutar, sim! Dois mil anos parece muito, mas não é… São só oitenta gerações entre a época que eu vivi e a época de vocês… Uma geração dura vinte e cinco anos, mais ou menos, são quatro por século. Em vinte séculos se passaram apenas umas oitenta gerações. É só abrir o jornal e ler e vai ver que o mundo está diferente… Se abrir na página dos passatempos. Porque se abrir na página policial, vai ver que hoje não é diferente da minha época.
Meu bisavô foi o primeiro imperador de Roma, mas deixa eu explicar melhor: Roma era uma república fazia uns quinhentos anos, mas apareceu Julio Cesar que era um General… Era um grande conquistador! Era tão grande conquistador que foi conquistar o Egito e foi conquistado pela Cleópatra… Grande conquistador… Mas, enfim… Ele derrotou muitos inimigos o senado deu pra ele o título de “Ditador de Roma”… Tá, “deu”… Não foi bem assim, não “deram” de verdade. Ele trouxe o exército pra Roma e o senado ficou se cagando todo… Naquela época tinha umas regras do tipo: proibido entrar com o exército em Roma. Mas Julio Cesar não tava nem aí, gritou “Alea Jacta Est” e estacionou o exército em Roma em local proibido e na contra mão. “Alea Jacta Est” dá pra traduzir em português mais ou menos como como: “foda-se!”. Mas Julio Cesar não durou muito no poder, virar ditador irritou um de seus melhores amigos, o Brutus. Mas, espera aí… Quem é que, em sã cosciência, tem um amigo chamado Brutus? Além do Popeye e da Olivia Palito? O cara se chama Brutus, só pode ser um… Brutus!
Brutus matou Julio Cesar… Brutalmente. Vinte punhaladas. Podia ser pior, o nome dele podia ser “Estuprus”. Meu bisavô, Otávio, era sobrinho do Julio Cesar e também era general, então ele e outro general, o Lépidus, fizeram uma reunião com o melhor amigo de Julio Cesar, o Marco Antônio:
— Ô, Marco Antônio, eu tô querendo tu e o Lépidus pra fazer um triunvirato!
— Epa, que que é isso, Otávio? Sou romano, mas sou espada!
O Lépidos gostou, ficou todo lépido e faceiro dando gritinhos:
— Eu quero! Eu quero!
Mas meu bisavô foi logo explicando:
— Não é nada disso… Nós três somos grandes generais, vamos fazer um triunvirato e comandar Roma!
O tal triunvirato não ia dar certo, esse nome parecia uma coisa pornográfica mesmo. Bom, eles estavam lá, no meio do triunvirato, mas lepidamente se livraram do Lépido… Ele não tinha nome condizente pro cargo, né? Imagina se cai numa prova: “Otávius Augustus”, “Marcus Antonius” e “Lépido”… Qual desses três nunca foi bosta nenhuma? Fácil, né? Pode não parecer, mas um nome é muito importante. Quem entraria numa farmácia e compraria uma camisinha com a marca “Os dois filhos do João”? Ninguém, né? Mas se o mesmo nome estiver em inglês, aí todo mundo compra, é só chamar de “Johnson & Johnson” que vende tudo!
Bom, deixa eu continuar… Sem o Lépido, o Marco Antônio, que além de ser um grande general, também era um grande conquistador, foi conquistar o Egito… E foi conquistado pela Cleópatra. Mais outro. Grandes conquistadores eles eram. Mas então, sobre meu bisavô: pega três grandes generais de Roma, “Julio Cesar”, “Otávio Augusto” e “Marco Antônio”, adivinha quem é o meu bisavô? É aquele do meio… O que não comeu a Cleópatra!
Aí meu bisavô brigou com o Marco Antônio:
— Onde já se viu? Ficou com a “ex” do melhor amigo! Pervertido!
Tentaram se acertar uma época, Meu bisavô ofereceu a irmã em casamento pro Marquinhos, mas o Marco Antônio ficou com ela por três anos e acabou devolvendo ela. Voltou pra Cleópatra… Meu bisavô também era todo certinho, fiel a Roma, família, escambau… Então ficou muito irritado. Era um velho irritado. Tem certas irritações que é só botar talquinho, mas a do meu bisavô não era uma irritação qualquer, não. Só brigando. Ele entrou em guerra, derrotou Marco Antonio e ficou com Roma só pra ele. Foi assim que ele virou o primeiro imperador: Otávius Augustus. Foi tão bom imperador que ficou no poder por mais de 40 anos… Foi tipo [escolher um nome de empresa, apresentador ou rede de TV líder de audiência há muitos anos, por exemplo: “o Sílvio Santos” ou “a Rede Globo”] daquela época.
Como imperador ele podia escolher um sucessor e resolveu escolher Tibério, filho adotivo dele. Mas como meu pai, Germanicus, era um ótimo general, meu bisavô obrigou o Tibério a adotar meu pai para ter um bom sucessor para o sucessor. Meu pai era um grande general de verdade. E aí o Tibério morria de ciúmes do meu pai, porque meu pai Germânicus, era um general melhor que ele. Mas isso lá é motivo pra ter inveja?
— Ah, odeio ele! Os soldados dele ganham mais batalhas que os meus…
Parece coisa de criança:
— Ah, odeio ele! A espada dele é maior que a minha!
Ah, que isso? Um baita imperador agindo assim? Vê se cresce!
Mas o meu pai, Germânico, era mesmo um general de dar inveja: imponente, conquistador, líder… Praticamente uma [citar marca famosa: Brastemp, Ferrari]… Tibério também era um general, mas era mais uma [citar uma marca concorrente da marca famosa: Enxuta, Volkswagen]… Por isso morria de ciúmes da popularidade do meu pai. Ele sabia que corria risco deixando meu pai vivo, meu pai era o preferido para substituir meu bisavô Otavius Augustus…
Minha mãe era toda certinha: ao invés de ficar em casa cozinhando, ficava nos campos de batalha acompanhando meu pai com os filhos… Imagina seis crianças num campo de batalha… Era igual a vida na favela, mas sem o pagode… Então, deixa eu repetir pra vocês não perderem o fio da meada: o imperador ainda era o Otávio Augusto, avô da minha mãe e meu bisavô, mas ele tava velho, caquético, e, ao invés de escolher logo meu pai como sucessor, que era o preferido do povo, manteve a escolha pelo Tibério, filho adotivo dele e deixou meu pai para ser o sucessor do sucessor. Quando meu bisavô Otávio Augusto morreu, o Tibério assumiu — “assumiu” no bom sentido, tá? Nada de maliciar — Mas o Tibério assumiu e o povão não gostou: os soldados se rebelaram e queriam meu pai como novo imperador. Meu pai, todo certinho, preferiu ficar nos campos de batalha lutando por Roma… Ai, como eu detesto gente honesta! Gente honesta ao invés de roubar, é capaz de pedir uma coisa emprestada e… Devolver depois! E, se der mole, ainda devolvem consertada… Não dá pra confiar em gente assim!
Pois é, mas o Tibério, novo imperador ficou morrendo de medo do meu pai e mandou envenenar ele. Matou meu pai quando eu tinha quatro anos de idade. Minha mãe foi lá reclamar, coitada, acho que ela pensava que ia conseguir justiça. Não é que nem agora! Agora que tem o código do consumidor, é só ir lá reclamar dos produtos com defeito: se o tênis descola, te dão um novo, se o refrigerador estraga, te dão um novo, se o marido morre, te dão um novo… O Tibério não gostou nada da reclamação… O serviço de atendimento ao cliente ainda não tinha sido inventado… Minha mãe, pateta, não percebeu que meus irmãos eram sucessores possíveis, então… Tibério matou meus irmãos mais velhos e exilou minha mãe. Minha mãe acabou morrendo de fome numa terra distante. Na verdade ela tentou morrer de fome logo, mas não deixaram, torturavam ela e alimentavam ela à força para ela durar mais e… Quase morreu gorda… Aí vocês iam poder chamar ela de “Agripina, A Maior”… Mas no final deixaram ela morrer em paz.
Naquela época as mulheres não eram importantes, não podiam governar, nem fazer o mesmo que os homens faziam, então nós, as irmãs que sobraram, não corríamos risco de vida… Dizem que, hoje em dia, as mulheres podem tudo que os homens… Até ter qualquer trabalho. Estranho que contrário ainda não é verdadeiro: nunca vi um homem em trabalho de parto.
O meu irmão menor ainda era muito pequeno pra ser ameaça para o imperador Tibério e deixaram ele viver. Meu irmãozinho tinha sete anos quando meu pai morreu… Quando meu pai era general, ele andava de uniforme de legionário, parecia um soldado em miniatura… Era uma gracinha! Daí é que deram o apelido pro meu irmão, “sandalhinha”, ou “botinha-sandalhinha”… Por causa do sapatinho que se usava na guerra. Esse tipo de calçado não fazem mais, hoje em dia soldado usa coturno. Se fosse hoje em dia, o apelido do meu irmão seria “Coturninho”… Todo mundo se apaixonava pelo “Sandalhinha”, tanto é que Tibério ao invés de mandar matar o Coturninho como tinha feito com meus irmãos mais velhos, pegou e criou o meu irmãozinho… Meu irmão era muito queridinho, parecia como um bichinho de estimação, um mascote para o imperador… Bom… O Tibério tinha um palácio em Capri onde tinha orgia o tempo todo, suruba pela manhã, pela tarde, pela noite, era suruba sem fim. Foi ali que o Tibério criou o meu irmãozinho Sandalhinha, embora ele seja mais conhecido pelo apelido dele na nossa língua: Calígula.
Caligulazinho era cuidado por todo mundo, era mesmo como um animalzinho de estimação, só que sem as escamas… Quando o imperador punia algum inimigo, meu irmãozinho era o que mais se satisfazia com as torturas… Adorava o sofrimento dos outros! Tibério até se assustava com o prazer que o Calígula tinha ao ver as torturas, ele não sabia que monstrinho ele estava criando! Mas o Calígula foi tão querido que acabou sendo indicado pelo Tibério para ser um de seus possíveis sucessores quando Tibério morresse.
Meu pai é quem devia estar no poder e não Tibério… Mas Tibério ficou como imperador alguns anos até adoecer misteriosamente. Quando Tibério ainda estava morrendo, Calígula ficou tão radiante que saiu correndo pra dar a boa notícia de que o imperador estava morto… Mas Tibério não tinha morrido ainda e o meu irmão precisou mandar um amigo ajeitar confortavelmente o travesseiro do Tibério… Assim, depois de um tempo ajeitando o travesseiro, que insistia em cair de cima da cara do imperador, finalmente meu irmão se tornou o novo imperador de Roma!
Meu irmão Calígula tinha 25 anos quando virou imperador. Isso foi no mesmo ano em que meu filho nasceu… E aí tudo mudou para nós, as três irmãs que tinham sobrevivido: fomos trazidas do exílio e o Calígula nos premiou como só ele sabia fazer: fez da gente as amantes dele. A preferida era a Drusila, mas ele comia todas… Mas como ele estava casado, e sempre foi um marido respeitador, ele só transava com a gente se a mulher dele estivesse junto na suruba e ela sempre podia ficar por cima.
Isso é que é marido carinhoso! Depois tem mulher que reclama do marido que não baixa a tampa da privada… A mulher do Calígula jamais iria reclamar uma coisa dessas! Até porque quem reclamava era condenado e executado por traição, então ninguém fazia reclamação nenhuma… Apesar disso, dá pra dizer que o Caligula tinha bom coração, porque ele gastava muito com os amigos… Presentes para os senadores, para as amantes, para todo mundo… Se ele não conseguia agradar alguém, enchia de presentes… Era um dos poucos que realmente podia começar um discurso com a expressão “Meus caros amigos”… Eles custavam caro mesmo.
Todo mundo elogiava essa bondade e os presentes que o Caligula distribuia. Quem não elogiava morria. Nos banquetes com os senadores, em que eles seriam acusados de traição caso não estivessem lá, ele sempre escolhia a esposa de um senador para fazer sexo com ela… E aí mandava ver… Literalmente… E ai do marido que não ficasse vendo… O marido tinha que ver e gostar. Tinha de mostrar que estava feliz ao ver sua mulher tendo a honra de ser fodida pelo imperador… Ou seria acusado de traição, como vários tinham sido antes!
Calígula tinha bastante dinheiro pra gastar, pelo menos no início… Tem de lembrar que meu bisavô Otávio Augustus tinha deixado Roma muito rica com as conquistas feitas em 40 anos de poder, depois dele, o Tibério tinha sido um imperador muito pão-duro, deixou Roma com muito dinheiro em caixa…. Mas meu irmãozinho tratou de gastar tudo… Logo o dinheiro começou a faltar e ele teve de dar um jeito de encher os cofres de novo. Aí ele teve uma idéia genial… Calígula fez de nós, suas irmãs, prostitutas: os ricos podiam fazer o que quisessem com a gente no palácio, desde que pagassem fortunas para o nosso irmãozinho imperador… Agora, imagina se a moda pega, prostituição oficial pra ajudar o tesouro nacional… A mulher do [citar presidente dos EUA, por exemplo: Obama] na casa branca… A princesa [citar nopme de alguma princesa ou rainha da Inglaterra, por exemplo: Kate] na Inglaterra… Coitadas, só pra resolver o rombo do tesouro nacional elas teriam de aumentar o rombo dos fundos particulares. Imagina a [citar nome da mulher do presidente ou da primeiradama do Brasil, por exemplo: Dilma] dando no palácio presidencial… Ia ter de ficar lá por um milhão de anos! E não pense que não ia ter alguém pra pagar o preço… Tem muita gente que iria adorar fazer com elas o que eles fazem com a gente!
Bom… Ninguém estava gostado do governo do meu irmãozinho e…. Eu já tava cansada de dar por dinheiro e não receber a minha parte. Poxa, com Caligula no poder eu estava fodida e mal paga!
Calígula era odiado pelos senadores, quando precisava de mais dinheiro, acusava algum deles de traição apenas para ficar com a fortuna deles.
Nós todas, irmãs do imperador, éramos casadas, apesar de sermos amantes do Calígula. Nessa época meu filho Lucius tinha apenas 2 anos de idade. Eu estava muito preocupado com o que o Calígula vinha fazendo de ruim. Aliás, tudo o que ele fazia era ruim. Parecia até artista independente.
Uma das minhãs irmãs, Drusila, a preferida do Calígula, ficou doente e morreu. Aproveitamos eu e minha outra irmã para transformar o viúvo da nossa irmã em nosso amante. Foi assim que nós conseguimos convencer ele a participar de um golpe contra o nosso irmão… Mas o atentado não deu certo… O Calígula “tava ligado” e descobriu tudo.
— Vocês vão ver, suas traídoras! Agora eu vou foder vocês!
— Espera aí, só para esclarecer: isso é a punição ou a gente tá perdoada?
Bom o Calígula estava furioso, mas apunição foi leve: o viúvo da nossa irmã foi executado e a gente foi deportada. Exiladas de novo. Eu já estava acostumada. Mas nossos bens foram confiscados pelo Calígula então, sem dinheiro, tive de sobreviver com o que consegui. No exílio foi difícil conseguir emprego. As agências não reconheciam nossas habilidades:
— Última profissão?
— Imperatriz e prostituta…
— Olha, sem experiência com carteira assinada, fica difícil… Aqui nesta ilha só temos vaga para mergulhador caçador de pérolas
— Fico com essa!
Virei “catadoras de pérolas”. Foi bom ficar longe dos palácios, tinha de mergulhar e nadar todos os dias para achar pérolas e poder sobreviver. Nessa época com meu filhinho pequeno, o pai do menino tinha morrido, ninguém teve pena da gente. Eu fiquei uns dois anos exilada. Pelo menos aprendi a nadar bem. Foi melhor que academia, eu já era bonita, mas fiquei com um corpão… Eu nunca pensei que estar lá, exilada e mergulhando atrás de pérolas ia salvar a minha vida… Duas vezes.
Bom, se vocês acham que o meu irmão Calígula era anormal, deixa eu falar do meu tio Cláudio… Meu pai era garboso, imponente, grandioso, mas o irmão dele era… Uma bosta. A mãe dele achava ele uma coisa monstrusa… Imaginem o filho do Pinguim com o Batman. Minha vó, mãe dele, tinha vergonha do meu tio, tanto é que criou ele em separado, como se fosse um bicho… Um monstrinho, coitadinho. Minha vó, ao invés de contratar um professor pro Cláudio, contratou um tratador de mulas para educar o meu tio… O que foi uma injustiça: uma mula era muito mais útil.
Uma coisa é preciso dizer: meu tio Claudio sempre se vestia bem… Bem devagar. Ah, e o meu tio sempre foi gentil… Ele nunca esqueceu a primeira namoradinha dele, ela tinha rabo-de-cavalo… E não estou falando do cabelo…
Eu estou me alongando sobre a vida do irmão do meu pai, porque o destino vai interferir e mudar a vida dele. A vida dele vai ser salva justamente por ele ser um monstrinho… Eu sei, contando assim até parece filme da Disney, mas olha e vê se eu não tenho razão: em Roma, Caligula continuava a fazer o que bem queria… Deu o título de senador ao próprio cavalo. Sádico, matava e torturava por prazer.
Quando um senador dizia:
— Hoje acordei com o pé esquerdo!
Logo dava graças aos deuses, porque não era incomum alguém acordar sem o pé esquerdo.
Com tanta crueldade, logo meu irmãozinho foi destronado pelos que ele humilhou. Os inimigos atacaram Caligula e queriam matar toda família imperial, foi aí que minha vida foi salva: se eu não estivesse exilada, teria morrido…. E meu tio Cláudio, apesar de estar lá, naquele dia, também se salvou: por ser uma criatura desprovida de qualidades, ninguém pensou em acabar com ele. Meu tio tentou se esconder, mas nem isso conseguiu:
— Ei, aí atrás dessa cortina… [gesto de abrir uma cortina] O que é você?
— Ti… Ti…
— Nossa… Olha como baba… Deve ser algum anão de jardim que solta água pela boca!
— Anão? Desse tamanho? E anão de jardim não jorra água pela boca, está confundindo com chafariz…
— Quem iria construir um chafariz tão feio?
— Você é parente do imperador?
— Eu sou o Ti…ti Eu sou ou Ti-ti… Ti-ti
— Ah, ele é o Tite!
Acharam que meu tio era alguma atração de circo perdida e salvaram ele da confusão…
No final tinha morrido todo mundo e o único sobrevivente parente do imperador para colocar no trono era o meu tio:
— Claudio quer ir pro trono! Claudio quer ir pro trono!
Mas deixa eu falar da minha volta por cima: com meu tio imperador fui perdoada e voltei pra Roma. Até me arranjaram casamento com um milionário! Que logo morreu envenenado, que tragédia! Chorei tanto… Quem faria uma coisa tão maldosa com alguém tão podre de rico?
Bom… Continuando… O destino tinha mudado tudo: meu tio tinha deixado de ser uma mula e virado imperador. O cargo que estava destinado para o meu pai, agora era de Cláudio: mancava, babava, mas era imperador! Ele era o manco babão de maior sucesso da época, já tinha casado três vezes! Quando voltamos do exílio, o imperador já estava casado com Messalina. Apesar de manco e babão, as mulheres viam Cláudio como se ele fosse o último biscoito do pacote: velho, quebrado e não-comido.
A mulher atual era uma das maiores devassas da história… Messalina era realmente uma vagabunda… Aliás, quando eu digo que Messalina era uma vagabunda, eu estou ofendendo as vagabundas… Vagabunda é um termo que está aquém das qualidades da Messalina… Nem dá para usar a palavra vagabunda: A da Messalina nunca estava vaga. Ela dava para todo mundo… Ela só tinha de desejar alguém e pronto… E se alguém recusasse, ela dava um jeito de denunciar a pessoa para o meu tio imperador e a pessoa era condenada. Então todos tinham de matar a sede dela por sexo. Eu odiava ela: uma vaca, ninfomaníaca, rica, que transava com todos os homens de Roma! Que inveja!
Meu tio foi um imperador cornudo. Pra falar a verdade, ele era pouco imperador e muito cornudo. Acreditava em tudo o que a Messalina dizia, não desconfiava de nada. Era um banana, coitadinho. Uma vez a Messalina fez uma disputa — disputa é uma palavra bem apropriada — uma disputa contra uma meretriz famosa de Roma para ver quem pegava mais homem numa noite… Ela ganhou quando chegou a 25, mas não queria parar, só foi pra casa porque expulsaram ela do bordel e aí ela voltou pro palácio na hora que o imperador estava acordando… Assim ainda podia dar ainda mais uma…
As coisas deram mal para ela porque ela se apaixonou por um homem casado e obrigou ele a casar com ela… Foi aí que os amigos do meu tio babão conseguiram convencer ele que ela era uma traidora. Levaram ele até a casa do amante onde havia provas da traição… Mostraram a certidão de casamento deles… Ele não queria acreditar, mas quando viu que a casa dos amantes estava repleta de objetos que ela roubava do palácio para dar para o amante, então ele ficou furioso:
— Meu ursinho de pelúcia! Ela deu pra ele meu ursinho de pelúcia!
O Cláudio então condenou Messalina publicamente por alta traição, média traição e baixa traição, traição frontal, traição lateral e traição por trás — apesar de ser uma traição dolorosa era uma traição muito praticada. Ela e o amante foram executados.
Eu odiava a Messalina, mas estava pensando em transformar ela em sogra do meu filho. Menos mal que ela já estava morta, assim ela ia ser a sogra ideal para qualquer um.
O meu tio era um infeliz: tinha sido rejeitado pela mãe, criado como uma mula, era manco, babão e ainda tinha sido um grande cornudo… O que de pior podia acontecer com ele? Bom, casei com ele!
Foi assim: meu tio estava deprimido… Era meu dever dar uma mão para ele… Acabei dando mais do que a mão… Homem não tem sentimentos, só pensa em sexo… Um homem se aproximar de uma mulher por causa dos seus sentimentos é tão provável quanto um adolescente assistir um filme pornô por causa do enredo… Já, nós mulheres, precisamos do sentimento, apesar dele ser vinte anos mais velho, eu me aproximei do meu tio por amor… Era amor ao poder, mas era amor.
As mulheres não podiam se aproximar dele, mas como eu era sobrinha, enquanto o pessoal discutia quem deveria ser a próxima imperatriz eu fui me aproximando dele cada vez mais… Meus abraços fraternos ajudaram a conquistar meu tio: ele já babava normalmente, imagina na hora do abraço, um par de peitos esfregados na cara… É fácil chamar a atenção de um homem, nada que uma mini-toga não resolva! Mas quem convenceu ele a casar comigo mesmo, foi o conselheiro fiel dele… E que, coincidentemente era meu amante.
Não me julguem por causa dessas coisas, naquela época era difícil arranjar um bom amante… Quem acha que grego é uma língua morta, é porque não conheceu os romanos!
Foi difícil foi convencer o senado a mudar a lei que proibia um tio casar com uma sobrinha… Por que os políticos criam essas leis inúteis? O cara está lá apenas para criar leis, fica anos sem fazer nada importante e um dia acorda:
— Ah, hoje acordei com vontade de criar uma lei. Já sei! Vou criar uma lei proibindo alguma coisa!
Depois que conseguimos fazer a lei mudar, pudemos casar… O primeiro ano de casamento foi ótimo: Claudio já tinha um filho, mas consegui fazer o meu filho Lucius ser adotado pelo meu titio-marido-imperador.
Além de mancar, Cláudio vivia dando mancada: para garantir o futuro do meu filho consegui o casamento da filha de Cláudio, a Otávia, que tinha 11 anos, com o meu filho Lucio… Nada como um bom casamento para fazer o teu filho subir na vida! Tem mãe que quer que o filho estude, que tenha um bom emprego… Ah, fala sério! O Lucius só tinha 14 anos, e já estava casado com a filha do imperador!
Foi nessa época que meu filho Lúcio trocou o nome. A história dos nomes é assim: o imperador que veio antes de Calígula, se chamava, na certidão, “Tibérius Cláudio Nero”, o que veio depois de Calígula se chamava “Tibérius Cláudio Nero”, então adivinha que nome deram pro meu filho quando ele foi adotado? “Tibérius Cláudio Nero”! Até facilita as coisas, se alguém perguntar no vestibular o nome de algum dos cinco primeros imperadores é só escrever “Tibérius Cláudius Nero” e tem sessenta por cento de chances de acertar. O primeiro “Tibério Claudio Nero” ficou conhecido como “Tibério”, o segundo “Tibério Claudio Nero” ficou conhecido como “Cláudio” e pro meu filho só restou, como terceiro “Tibério Claudio Nero” ficar conhecido como “Nero”.
Mas vamos retomar o enredo: casei com meu tio e quem casa com tio vira tia, logo eu virei tia de mim mesma. Eu sou das poucas que casou mais de uma vez e ainda podem dizer que “fiquei pra titia”. Quando casei com meu tio e ele adotou meu filho, eu virei madrasta de meu próprio filho! Mas meu tio tinha uma filha que tinha casado com meu filho, ou seja meu tio era sogro do meu filho, logo eu também era sogra do meu filho. Isso deve ter deixado o Nero perturbado. Quando ele mandou me matar, anos depois, não era a mãe que ele odiava, era a madrasta e a sogra! Além disso, o meu filho era filho do próprio tio, ou seja ele era primo dele mesmo. Essas coisas deixam qualquer um maluco.
Deixa eu falar da Locusta… A Locusta era uma herbalista. Hoje em dia a gente precisa de cabeleireiro, manicure, naquela época uma herbalista era tudo! Era o que a gente usava quando queria envenenar alguém… Era [citar alguém de coluna de fofocas, por exemplo: “o Nélson Rubens”] daqueles tempos… O Cláudio tinha nomeado o meu filho sucessor dele, mas desconfiei que o Cláudio ia preferir o filho natural como sucessor porque Nero era apenas um filho adotivo, então chamei a Locusta para uma visitinha…
Claudio adorava cogumelos, então dei para ele um prato cheio de cogumelos. Ele comeu, comeu, comeu… Começou a passar mal… Vomitou…
— Além de babão estava virando anoréxico?
O médico achou melhor ele vomitar tudo,
— Cogumelo venenoso faz mal pra saúde…
Nossa, que médico esperto… Só não demiti ele porque: um) o plano de saúde é que estava pagando e dois) o médico também era meu amante.
Sugeri que o médico enfiasse uma pena na garganta do Cláudio pra vomitar mais… Que pena! Que pena que a pena estivesse sem querer embebida em veneno.
— Xi, foi mal… Eu não devia ter comprado a pena numa loja de 1,99!
Foi assim que consegui colocar meu filho Nero no trono! E não estou falando de banheiro, estou falando do Império Romano! No troninho ele já sabia ir sozinho desde que tinha 13 anos.
Bom… Tive um pouco de pena do meu ex-tio e ex-marido, passou a vida babando e morreu… Babando… Mas, falem a verdade… Tem alguma mãe aqui? Que mãe não mataria um imperador para melhorar a carreira do filho? O universo tá cheio de mães ausentes que deixam os filhos se virarem sozinhos… Eu, pelo menos, sempre procurei o melhor para o meu filho. Meu filho já tinha quase desessete, podia dirigir um império, nessa idade, hoje em dia, já se pode até votar! E ele sempre foi o melhor da turma… Se bem que sempre foi o único da turma… Ah, precisavam ver ele: cabelos loiros, olhos azuis, fofinho… Parecia o Menino Jesus, só um pouco mais gordinho… Uns oitenta quilos mais gordinho.
Arranjaram uns tutores para o Nero, porque acharam ele muito jovem para ser imperador, um dos tutores era Sêneca, o escritor…. o outro era Burrus… O… Poxa, quantas vezes vou ter dizer que nomes importam? Burrus era o que? O outro era Burrus, o Prefeito…Lógico!
Com meu filho no poder, logo comecei a controlar o que o imperador fazia. Mas os tutores dele começaram a influenciar Nero. Então tentei seduzir meu filho para ele ver como eu era uma boa mãe, mas não deu certo… Foi aí que ele começou a ficar meio rebelde… E começou a agir por conta própria: um dia, quando o filho natural de Cláudio, possível suplente de Nero ao trono, começou a ter uns tremeliques, meu filho logo gritou:
— Deixa, que é só uma epilepsia!
Eu reconheci na hora que era um veneno da Locusta. Dizem que fiquei com medo de ser a próxima vítima do meu filho, mas isso é mentira… Eu fiquei foi orgulhosa dele! Dizem que ele obrigou Locusta a criar um veneno que agisse rápido, testou e matou vários escravos até conseguir um bem violento. Diziam que ele era um monstro, mas, hoje em dia, ele seria um gênio da indústria farmacêutica!
Foi por essa época que ele começou a brigar comigo… Queria se divorciar da Otávia, filha de um imperador, uma nobre rica, para casar com Acte, uma ex-escrava, pobre. Claro que fui contra, onde já se viu uma coisa dessas? Então nós brigamos…
Achei que ele iria se arrepender e voltar atrás, mas para mostrar que estava falando sério, ele tentou me envenenar — que ridículo, logo eu que já tinha usado os serviços da Locusta, é claro que tinha os antídotos… Tive de reprimir o meu filho:
— Veneno? Foi assim que eu te ensinei, meu filho?
— Desculpe, mamãe… Prometo que não faço mais!
— Ah, não! Sabe que eu detesto coisas mal feita! Vai repetir até conseguir!
— Mas mamãe, estou arrependido!
— Nada de arrependimento! Isso não é coisa de imperador!
Nero tentou me envenenar outras vezes, mas desistiu, viu que veneno não era a praia dele… Então mandou construir algo no meu quarto…
— O que é que estão construindo lá no meu quarto em cima da minha cama, meu filho?
— Ah! É uma surpresa pra você! Nunca vai adivinhar o que é!
— Ah, meu filho, que amado… Tá parecendo um teto retrátil carregado de chumbo que desaba e esmaga quem está embaixo!
— Não!
Bom, nunca mais fui dormir naquele quarto… Quando o Nero reclamava, eu dava qualquer desculpa… Que preferia dormir na sala pra não perder a Ana Maria Braga de manhã… Mas, diz a verdade, que mãe não ficaria orgulhosa de saber que o filho era capaz de construir tetos retráteis que esmagam as pessoass quando elas estão dormindo? Meu filho era um gênio! Até conto mais… Um dia chegou um convite para um passeio de navio… Lembro como se fosse hoje: cartão, flores, bombom, parecia dia das mães… Só faltou o recado musical com musiquinha do [citar nome de cantor romântico, exemplo: Roberto Carlos]… Ele tinha enviado um navio especialmente para a minha volta à Roma! Ah, que filho amado! No quarto do navio o mesmo teto retrátil… Que mãe não fica orgulhosa quando o filho é insistente, não desiste facilmante?
Não funcionou de novo, matou um escravo, mas eu sobrevivi porque o mecanismo trancou no sofá quando descia… O dispositivo que ele tinha construído para afundar o barco também não funcionou… O governo tem sempre esses problemas quando manda terceirizar esses serviços… O povo tinha de fiscalizar mais as obras contratadas!
O Nero já tinha pensado num jeito alternativo para afundar o navio, os marinheiros ficariam pulando num dos lados do navio pra fazer ele balançar até virar… Eu estava presa no meu quarto, podre de bêbada com o navio balançando de um lado para o outro… Parecia um vôo da [citar nome de uma companhia aérea, com acidentes recentes, por exemplo “TAM”]. Quando chegamos bem no meio da viagem o barco começou a naufragar… Acho que era mesmo uma nave da [citar nome damesma companhia aérea]… Na confusão do naufrágio, marinheiros apareceram:
— Onde está Agripina? Onde está a Imperatriz?
Minha escrava, achando que eram amigos que vinham para me salvar, gritou:
— Estou aqui, me salvem!
Os marinheiros meteram o pau nela… Mas no mau sentido… Mataram na hora… Dando remadas nela. Olharam para mim:
— Você, quem é?
— Sou uma mulher que adora marinheiros com paus na mão! Mas não sou imperatriz e nem mãe de meu filho Nero!
Pois é: mataram minha escrava e me deixaram viva… Isso não aconteria se pedissem identidade com foto! Mas me deixaram ali pra morrer…
O barco afundou, mas não fui assim que eu morri… Eu tinha sido mergulhadora e caçadora de pérolas quando estava exilada pelo Calígula, não tinha como eu morrer afogada… Nem que eu tivesse bebido um barril de vinho e estivesse com um braço machucado. Coincidentemente, eu tinha bebido um barril e estava com o braço machucado, mas eu saí nadando até a praia, eram só uns vinte quilômetros… Ainda salvei a vida de três marinheiros que não sabiam nadar… Fiz respiração boca a boca e tudo mais…
— Mas, Dona Agripina, estamos faz quatro horas na praia, não precisa mais!
— Nunca se sabe, melhor prevenir!
— Imperatriz… Aí não é a minha boca!
— Mnmnhunn… Uanmnmmn [falando com a boca cheia]
Mandei um mensageiro para avisar Nero que eu estava viva… Não queria que ele se preocupasse… Mas meu filho tinha perdido a paciência, era a quinta tentativa de assassinato que falhava… Chamou os conselheiros: Sêneca, Burrus e o escravo Aniceto…
— Vocês tem de resolver o problema! Minha mãe vai ficar furiosa e me deixar de castigo! Sêneca! Você é um intelectual! Faça alguma coisa!
— Sim, chefe! Burrus: mate a mãe de Nero!
— Ah, eu não posso fazer isso… Tenho de brincar de soldadinho com a guarda pretoriana… Aniceto: mate a mãe de Nero!
— Eu? Mas que merda, porque sempre sobra pros escravos o trabalho escravo?
O Aniceto veio me matar na minha casa… Ele chegou e eu já fui avisando:
— Se é pra pedir desculpas, diga pro Nero que tá tudo bem, eu sou mãe, eu perdoo ele… O sujeito me deu uma paulada com uma cadeira… Ou uma cadeirada com a mesa, que seja… Caí… Ainda levantei pra reclamar… Se é para me matar, crave logo uma espada aqui, no meu ventre, que é de onde saiu aquele monstro que governa Roma!
Bom, não é que o abestado obedeceu? Poxa, caramba… Eu só estava tentando ser teatral… Eu sei que não foi uma frase genial, mas… Não dava para ter entendido como uma metáfora? Ou algo parecido?
Foi aí que eu morri… Morri e o resto eu não sei direito… Dizem que Nero ao ver meu corpo nu na lápide, se emocionou e comentou, entre lágrimas:
— Eu não sabia que eu tinha uma mãe tão linda!
Mentindo sobre o túmulo da mãe morta! Ele conhecia o meu corpo, fui eu que tinha iniciado a vida sexual dele. Que sem-vergonha! Será que ninguém mais respeita a moralidade?
Sei que ele passou o resto do dias se remoendo de culpa e sendo assombrado pelo meu fantasma… Foi o que li na Wikipedia… Mas eu não sei nada sobre isso, vai ver que os feiticeiros egípcios que ele contratou para exorcisar o meu fantasma tenham feito eu esquecer de tudo… Como ninguém filmou e colocou no Youtube, a gente nunca vai saber com certeza…
Para quem acha que matar a mãe é coisa de louco, precisa ver o que ele fez depois que eu morri. O Nero se separou da irmã adotiva e se casou com Popéia e, quando ela estava grávida dele, ele matou ela com um pontapé na barriga… Mas, mesmo assim, uma coisa eu posso dizer do meu filho: ele era fascinado pelas mulheres. Tanto é que começou a usar as roupas delas. Então Nero mandou castrar um homem e tratava o eunuco como esposa… Depois arranjou outro homem e começou a se vestir de mulher exigindo que o tratassem como esposa dele… Dizem que adorava levar por trás enquanto gritava que era uma moça virgem… Por fim passou a se vestir de animal e atacar sexualmente garotos e garotas que estavam amarrados em sacrifício:
— Surpresa! Sou uma fera atacando vocês! Miau!
Mas, na vida pública, foi pior… Nero sempre se achou um grande artista, vivia se exibindo: teatro, poesia, canções… Até espetáculo de peidos ornamentais ele encarava. Por falar nisso, hoje em dia para ver se a pessoa está doente existe exame de fezes, mas porque ainda ninguém inventou o exame de pum?
Bom… No teatro, o Nero adorava cantar, declamar e representar… E as pessoas tinham de elogiar e aplaudir… Uma mulher grávida teve de dar à luz durante um espetáculo dele… E depois do parto tanto mãe quanto o bebê recém-nascido tiveram de bater palmas no fim do espetáculo! Aliás, por falar nisso, se alguém quiser dar à luz aqui, hoje, aproveite… A hora é agora, que esta peça já está quase chegando ao fim…
Essas histórias não são ficção, não. Foram narradas por Suetônio, Tácito e Dião Cássio, historiadores da época. Não contei nem metade da devassidão que era aquela época porque tenho de ser recatada… Não fica bem uma mulher poderosa como eu fui ficar falando um monte de putaria… No final, nove anos após a minha morte, meu filho foi obrigado a se matar e morria o último imperador da dinastia julio-claudiana.
Bom, desses cinco imperadores, os únicos que não transaram comigo foram os dois primeiros, Otávio que era meu bisavô e Tibério que mandou matar meu pai… Mas só não dei pra eles porque eu nem era nascida ou eu ainda muito criança na época.
Resumindo para quem chegou agora: fui bisneta do primeiro imperador, neta por adoção do segundo, irmã do terceiro imperador, sobrinha e mulher do quarto e mãe do quinto… O quinto dos infernos, eu sei… Mas que mãe não tem problemas com os filhos, né?
Mas o ponto não é esse. Eu tive uma vida de verdade. Minha história é baseada em fatos reais… Mais do que reais: imperiais! O que eu estou tentando dizer, é que estive lá, viva, em meio aos primeiros imperadores, então entendam minha reclamação e não me chamem mais de “Agripina, a Menor”. Fui “Agripina, tudo”… Tudo, menos a Menor.
FIM
© VICTOR M. SANT’ANNA – 2011