© VICTOR M. SANT’ANNA – 2007
EU NUNCA TOQUEI VOCÊ
(OU: O QUE ELAS REALMENTE FAZEM LÁ DENTRO ENQUANTO ESPERAMOS AQUI FORA!)
Personagens:
Dra. Nádia
Marcos
Dejacir
Mônica
Marlise
Samantha
Jarbas
Dr. Vália
Faxineira
Victor
Professor
Cenas:
- 1. Nadia e Marcos – “Apaixonado pela Psicóloga”
- 2.Marcos e Dejacir – “Déjà vu”
- 3.Dejacir e Mônica – “O que Elas Fazem Lá Dentro Enquanto Esperamos Aqui Fora?”
- 4. Nádia e Mônica – “Conversa Interrompida”
- 5.Dejacir e Marlise – “Pare de Mandar Spam pro Meu E-mail”
- 6.Dejacir, Samantha e Jarbas – “Paixão Pelo Professor”
- 7.Marcos, Jarbas e Samantha – “O Chato”
- 8. Nádia, Mônica e Dra. Vália – “O Que Elas Realmente Fazem Lá Dentro Enquanto Esperamos Aqui Fora”
- 9.Crislaine (Faxineira) e Marcos – “Fantasia Sexual”
- Victor, Professor, Faxineira, Marcos e Dejacir – “Terapia de Grupo”
- Professor e Samantha – “Eu nunca Toquei você”
- 1. NADIA E MARCOS – “APAIXONADO PELA PSICÓLOGA”
Marcos sai da porta do consultório que dá para a sala de espera, enquanto conversa com a Dra. Nádia.
MARCOS
Tudo bem, doutora, eu sou um viciado em psicólogas. Estou tentando me libertar, mas está sendo difícil.
DRA. NÁDIA
Por isso precisa vir às quatro, para a sessão do grupo de apoio que tem toda semana…
MARCOS
Mas eu não quero um grupo de apoio, quero uma psicóloga!
DRA. NÁDIA
Procurando amor em uma psicóloga? Isso faz parte do processo de transferência.
MARCOS
Não, não, não! Não é só curiosidade ou atração. É paixão mesmo!
DRA NÁDIA
Muito interessante, isso, se tivéssemos tempo, eu iria querer saber como começou…
MARCOS
Começou que eu encontrei psicólogas muito interessantes! Como você!
DRA. NÁDIA
Psicólogas interessantes?
MARCOS
Olha doutora, eu não queria falar nada, mas eu sou maravilhoso, podemos ser felizes juntos!
DRA. NÁDIA
(irônica)
Sim, eu sei, já tive um desses casos como o teu. Mas a Vália é melhor para cuidar disso, aparece no grupo, está bem?
MARCOS
Olha, se continuar me ignorando isso vai demorar muito mais do que o tempo que temos, certo?
DRA. NÁDIA
E não temos nenhum tempo, desculpe, estou atrasada, tenho de passar no banco antes de outros compromissos, se quiser telefone e marque uma consulta com a Dra. Vália
MARCOS
Só quero esclarecer alguns pontos!
DRA. NÁDIA
Não há nada para esclarecer.
MARCOS
Você não entendeu nada!
DRA. NÁDIA
(tentando se desvencilhar dele, vai fechando a porta)
Desculpe, é que…
MARCOS
Eu estou mesmo apaixonado por ti, será que não dá para entender?
DRA. NÁDIA
(ríspida)
Outra dia, está bem. Nossa hora acabou.
Dra. Nádia fecha a porta e deixa Marcos sozinho na sala de espera.
Marcos está parado na frente da porta e na sala de espera do consultório e encontra Dejacir, que, vem entrando aparentemente esperando para ser atendido. Os dois se reconhecem (ou pensam que sim).
DEJACIR
Ô, amigão!
MARCOS
Ô, amigão!
Ambos vão ao encontro um do outro e se abraçam.
DEJACIR
Grande amigo!
MARCOS
Grande!
DEJACIR
Puxa! Fazia tempo, hein!
MARCOS
É mesmo!
DEJACIR
Cara, que saudade daqueles tempos!
MARCOS
É mesmo! Aqueles tempos!
DEJACIR
Desculpe amigão, mas… Qual é o teu nome mesmo?
MARCOS
Esqueceu meu nome? Como esqueceu meu nome?
DEJACIR
Sei lá, deu um branco. Desculpe, acontece, né?
MARCOS
Tudo bem, dessa vez passa! Também esqueci o teu! Que cabeça a nossa, hein?
DEJACIR
Puxa! Nem me fala… Vivo esquecendo as coisas!
MARCOS
Engraçado, comigo também é assim…
DEJACIR
Por isso está aqui?
MARCOS
(não entende e repete a frase)
“Por isso está aqui…”?
DEJACIR
Aqui, nesse consultório… Falta de memória?
MARCOS
Ah, não, que isso! Não preciso disso não. Também não é tão grave! E você?
DEJACIR
Também não é grave, quer dizer, talvez seja, sei lá, mas estou aqui para outra coisa.
MARCOS
Negócios?
DEJACIR
Que nada… Estou aqui só para um encontro.
MARCOS
Encontro?
DEJACIR
(mudando de assunto)
Mas me diga: como estão as coisas?
MARCOS
Nem te conto, acabei de levar um fora da psicóloga!
DEJACIR
Psicóloga?
MARCOS
É… Tava tentando com… Bom deixa para lá.
DEJACIR
Psicóloga…!
MARCOS
Também não é para tanto… Não é nada importante…
DEJACIR
Psicóloga! Sei…
MARCOS
Engraçado… agora senti uma coisa… Sabe quando a gente tem a impressão que uma coisa já aconteceu?
DEJACIR
Claro isso acontece com todo mundo! Coisa mais comum!
MARCOS
Como é o nome disso mesmo?
DEJACIR
Nome disso o que?
MARCOS
Nome disso quando a gente acha que uma coisa está acontecendo de novo.
DEJACIR
Ah! Sei… É um nome esquisito, não lembro agora.
MARCOS
Eu sei o nome, está na ponta da língua, mas também não estou conseguindo lembrar. Como era mesmo?
DEJACIR
Sei… Estou lembrando… Parece um nome feio…
MARCOS
Como era mesmo? Dagoberto? Denilson? Jurandir?
DEJACIR
Engraçado, que coisa, também tenho a impressão que já tive essa conversa!
MARCOS
Não, não teve não!
DEJACIR
Tenho quase certeza! Estou até lembrando que você vai se lembrar agora do que você não consegue lembrar!
MARCOS
É mesmo? Que coisa!
DEJACIR
Deixa eu lembrar o que acontece… Eu começo a soprar as sílabas!
MARCOS
Sílabas, que sílabas?
DEJACIR
Sílabas de uma palavra.
MARCOS
Claro que é de uma palavra, mas… Que palavra?
DEJACIR
De…
MARCOS
“De”?
DEJACIR
“De”… “Já”…
MARCOS
Dejalmir! Claro! Agora lembrei!
DEJACIR
“Dejalmir”? Não seja besta! É dejavu…
MARCOS
Dejavu? Que nome horrível! Não lembrava que você tivesse um nome tão feio!
DEJACIR
Meu nome é Dejacir, poxa! Dejavu é aquilo que você queria lembrar e que não lembrava!
MARCOS
“Dejavu”? Que “dejavu”?
(de repente lembra)
“Dejavi”! Claro! Lembrei! “Dejavi”!
DEJACIR
Mas não é “dejavi” é “dejavu”
MARCOS
“Dejavi”… “Dejavu” é como se escreve, mas se diz “dejavi”. É francês!
DEJACIR
Mas porque os franceses iriam falar errado?
MARCOS
Sei lá, é assim e pronto!
DEJACIR
Vai ver os franceses são americanos!
MARCOS
Americanos? Que bobagem é essa?
DEJACIR
Ah, mas não vai dizer que americano fala tudo errado? Quando é para dizer “a” eles dizem “ei”, quando é para dizer “e”, eles dizem “i” e quando é para dizer “i” dizem “ai”. Imagina só, que coisa de louco
MARCOS
Ah, que isso, que bobagem… Cada povo fala como quer!
DEJACIR
Olha só, dá um soco na minha barriga.
MARCOS
Que isso… Você é masoquista?
DEJACIR
Só um exemplo, dá um soco aí, vai…
MARCOS
Eu não vou dar não, sai para lá!
DEJACIR
Então dou eu toma!
MARCOS
Ai!
DEJACIR
Viu? Se você fosse americano tinha dito “eu”?
MARCOS
Eu?
DEJACIR
É. “Ai” é “eu”.
MARCOS
Ah, entendi. Mas precisava me bater?
DEJACIR
Você mereceu, não estava entendendo nada! Mudando se assunto: eu tenho de esperar a Marlise, me desculpe, mas será que dá para você ir dar uma volta?
MARCOS
Uma volta?
DEJACIR
É, desaparecer, escafeder-se, sumir, cair fora.
MARCOS
Certo, entendi… A Marlise…?
DEJACIR
É uma minha colega que não me dá bola, eu vou ter uma conversa com ela.
MARCOS
Aqui?
DEJACIR
É, aqui. Por que, qual é o problema?
MARCOS
Bom, aqui não é o melhor lugar para conversar com alguém que você quer conquistar! Precisa ser um lugar sei lá… Mais romântico. Por isso ela não te dá bola.
DEJACIR
E você entende disso por acaso? Acabou de levar um fora da psicóloga!
MARCOS
Tá, entendi… Vou cair fora. Mas é “dejavi”, hein!
Entra Mônica e Marcos vai saindo, mas fica olhando para ela com “cara de tarado” enquanto ela passa. Marcos sai.
MÔNICA
(cumprimenta marcos com um leve aceno de cabeça).
DEJACIR
(responde ao cumprimento).
MÔNICA
(pega uma revista de uma pilha).
DEJACIR
(levanta um pouco, dá uma volta, pega uma revista e senta).
MÔNICA
(Olha o relógio e continua lendo a revista).
DEJACIR
Quente aqui, não é? Esse ar condicionado não está muito bom.
MÔNICA
(responde por educação)
É, tem feito muito calor nesses dias…
DEJACIR
(olha Mônica de uma maneira mais insistente)
A gente mora num país tropical, devia andar com menos roupa!
MÔNICA
(tenta ajeitar a roupa, como se estivesse escondendo ou protegendo melhor o corpo)
DEJACIR
(Olha o relógio)
Qual é o horário da tua consulta?
MÔNICA
(sem tentar ser simpática)
Três e meia.
DEJACIR
Da tarde?
(ri forçadamente da própria piada)
MÔNICA
(sorri por educação e continua lendo a revista)
DEJACIR
(olha o relógio, coloca no ouvido)
Acho que o meu está adiantado, quase quatro horas.
Alguns segundos passam nessa situação de espera.
DEJACIR
Vou até o corredor tomar uma água, quer que traga um copo para você?
MÔNICA
Não, obrigada.
DEJACIR
(fazendo uma piada sem graça)
Posso trazer com água dentro!
MÔNICA
(sorri por educação)
Dejacir levanta e vai até a porta de saída da sala de espera, abre a porta, sai, coloca a cabeça para dentro.
DEJACIR
Eu já volto! Não precisa se sentir solitária!
(faz um riso forçado)
Ah! Ah! Ah
Dejacir sai da sala. Alguns segundos se passam.
MÔNICA
(falando sozinha)
O problema de trabalhar em consultório de psicólogo é que aparece muito maluco…
Dejacir volta a tempo de ouvir o fim do comentário
DEJACIR
Como? Não entendi!
MÔNICA
Nada não, deixa para lá, estava falando sozinha.
DEJACIR
Ah! Costuma falar sozinha? Também ouve vozes?
MÔNICA
(rindo)
Não, não costumo ouvir vozes…
DEJACIR
Não precisa ficar envergonhada, isso é bem comum hoje em dia… Estresse… Todo mundo escuta vozes!
Mônica ignora o comentário e começa a folhear outra revista
DEJACIR
Essas revistas são muito boas… Tem uma aí que fala sobre pessoas que escutam vozes.
MÔNICA
(um pouco irritada)
Não escuto vozes, não se preocupe. Vim aqui para uma entrevista.
DEJACIR
Ah, certo…
(espera alguns instantes)
Eu voltei porque tinha um conhecido meu lá no bebedouro e eu achei melhor não falar com ele, ele é muito chato!
MÔNICA
(fala baixinho)
Deve ser contagioso…
DEJACIR
Sabe dizer se o certo é “dejavi” ou “dejavu”?
MÔNICA
(olha rapidamente para Dejacir e responde “não” apenas com a cabeça)
Dejacir pega uma revista para ler, mas não consegue se concentrar e fica conversando quase que sozinho.
DEJACIR
O cara é um idiota, estava passando uma cantada na faxineira no meio do corredor!
(folheia a revista, olha a capa)
“Psicologia Hoje”… Engraçado…
MÔNICA
(finge que está muito concentrada na leitura)
DEJACIR
O nome desta revista é “Psicologia Hoje”, mas a revista é de 2004!
MÔNICA
(Sorri educadamente)
DEJACIR
Sabe, eu também não estou aqui para uma consulta. Estou esperando uma colega minha, vou pedir ela em namoro.
MÔNICA
(fala olhando para o outro lado, tentando segurar o riso)
Coitada!
DEJACIR
(pensando alto)
Ela mora “lá onde Judas perdeu as botas”.
Mônica tenta esconder o riso.
DEJACIR
(falando sozinho)
Por que será que dizem “lá onde Judas perdeu as botas?”
Mônica continua se esforçando para não dar atenção aos comentários de Dejacir
DEJACIR
Judas… Botas… Não faz muito sentido, né? Cada uma que inventam…
MÔNICA
(Tenta esconder o riso)
É.
DEJACIR
(consulta o relógio)
Tua terapeuta te deixou na mão… Está atrasada… Ou meu relógio está muito doido.
MÔNICA
(Fica olhando para Dejacir, com pena, depois consulta o relógio)
É mesmo… Está atrasada.
DEJACIR
Sempre fico imaginando: o que será que os psicólogos ficam fazendo lá dentro…
MÔNICA
(não entende comentário)
Lá dentro?
DEJACIR
Enquanto as pessoas esperam aqui fora… O que será que eles ficam fazendo lá dentro? Será que é “sacanagem”?
(fica rindo da própria imaginação)
Já imaginou, pode estar rolando a maior suruba lá dentro… A maior orgia, sei lá…
MÔNICA
(antipática)
Como pode rolar uma “sacanagem” se ficam sozinhas lá dentro?
Dejacir fica pensando e Mônica volta a olhar a revista.
DEJACIR
(achando uma resposta)
Internet?
Os dois emudecem por alguns segundos com o clima não muito amistoso entre eles.
DEJACIR
Você não é muito de conversar, não é?
MÔNICA
Só quando estou trabalhando.
DEJACIR
Trabalha com o quê?
MÔNICA
Sou psicóloga.
DEJACIR
(se dando conta da gafe)
Acho que vou beber uma água!
Dejacir sai rapidamente para o corredor.
Dra. Nádia sai pela porta do consultório, como se estivesse com pressa e percebe Mônica na sala de espera.
MÔNICA
(larga a revista)
Oi…
Dra. Nádia fecha, com uma chave, a porta entre a sala de espera e o consultório
DRA. NÁDIA
(fala enquanto vai fechando a porta)
A Dra. Vália acabou de ligar dizendo que vai ter de adiar as consultas de hoje, você é paciente dela?
MÔNICA
Eu sou a Mônica…
Dra. Nádia acabou de fechar a porta.
DRA NÁDIA
Mônica, claro! Puxa a gente conversou tanto por telefone…
MÔNICA
Volto outro dia?
DRA. NÁDIA
(examina melhor Mônica, com muito interesse)
Para mim está tudo acertado, podemos começar a dividir o consultório como a gente combinou… Vinha combinar alguma coisa com a Vália?
MÔNICA
(verifica se ninguém está ouvindo)
Aquilo que a gente tinha combinado…
DRA. NÁDIA
(olhar diferente)
Ah, claro… Bom, eu tenho de sair, mas volto logo… Eu e a Vália temos uma reunião hoje… Podemos fazer aquilo… Mais tarde? Hoje?
MÔNICA
(se aproxima com sensualidade)
Claro, Estou desejando isso tanto quanto vocês…
São interrompidas por Dejacir e ficam um pouco sem jeito.
DEJACIR
Opa, desculpe, eu…
DRA. NÁDIA
(tentando se recompor)
Queria marcar uma consulta comigo?
DEJACIR
Não…
DRA. NÁDIA
(pensando que Dejacir é paciente da colega de consultório)
A Dra. Vália adiou todas as consultas de hoje, ela não ligou para você?
DEJACIR
(não entende muito bem a pergunta)
Não, a Dra. Vália, não me ligou…
MÔNICA
(falando com Dra. Nádia)
Olha, eu já vou indo, volto mais tarde, está bem?
DEJACIR
(falando sozinho)
Eu nem sei quem é essa tal Dra. Vália…
DRA. NÁDIA
(concentrada na conversa com Mônica)
Pelas quatro ou quatro e meia?
MÔNICA
Combinado!
Mônica sai.
DRA. NÁDIA
Eu tenho de fechar o consultório, mas se é importante…
DEJACIR
É muito importante
DRÁ NÁDIA
Se vai ficar esperando aqui, a Dra. Vália não demora mais do que vinte minutos, posso deixar a sala de espera aberta.
DEJACIR
Ah, é muito importante mesmo!
DRA. NÁDIA
Está bem, tenho de ir.
Dra. Nádia sai com pressa.
Assim que elas saem, Dejacir tenta entrar na porta que está fechada à chave.
DEJACIR
Por que trancam tudo? Será que não confiam nos pacientes?
Dejacir dá uma volta pela sala.
DEJACIR
Bom, só tem cliente louco, tem mais é de trancar tudo mesmo.
Dejacir senta e pega uma revista. Marlise entra apressada. Dejacir levanta num pulo.
DEJACIR
Marlise! Eu sabia que você viria!
MARLISE
Eu não ia vir, mas achei melhor resolver a situação
DEJACIR
Sabe, eu estava pensando enquanto você não chegava, só você vai entender: acho que resolvi um mistério! Descobri como “Judas perdeu as botas”!
MARLISE
Dejacir, ficou maluco, é? E isso é lugar de marcar um encontro?
DEJACIR
Espera, deixa eu te contar: a gente sempre diz “onde Judas perdeu as botas” como referência a um lugar muito distante, daé eu fiquei pensando, pensando… Só podem ser as botas de sete léguas! Logo, quem roubou as botas foi o gato de botas! Judas foi roubado, coitadinho!
MARLISE
Dejacir, eu não quero mais ouvir tuas idéias idiotas! Tuas piadas são sem graça eu não quero mais que meu chefe fique perguntando sobre a gente! Não aparece mais no meu setor!
DEJACIR
Mas Marlise, eu te amo!
MARLISE
Você me ama? Está louco? Eu só vim porque não agüento mais essa situação! Quero esclarecer tudo!
DEJACIR
Esclarecer tudo?
MARLISE
Eu não gosto de ti, eu não quero que você me procure e se você continuar vou denunciar você, entendeu?
DEJACIR
Mas o nosso amor é tão lindo! Como pode falar assim do nosso relacionamento?
MARLISE
Me escute! Nós não temos um relacionamento! Nunca tivemos! Dar um “oi” para o sujeito da manutenção não é um relacionamento!
DEJACIR
Eu não trabalho na manutenção, eu trabalho na correspondência!
MARLISE
Não interessa! E pare de mandar “spam” pro meu e-mail! Não quero receber nada de ti, não entende?
DEJACIR
(triste)
Agora entendi. Não precisa gritar.
MARLISE
(um pouco mais calma)
Não me leve a mal, eu só quis ser simpática, nunca gostei de você, Foi só um mal-entendido.
DEJACIR
(conformado)
Certo. Pode deixar, não vou mais te incomodar. Eu prometo. Podemos ser amigos e ainda fazer o lanche juntos?
MARLISE
Desculpe, Dejacir. Eu não te quero mal, mas não podemos ser amigos. Eu só vim esclarecer isso. Eu vou embora, saí no meio de um trabalho importante. Tchau.
Marlise sai, com pressa.
DEJACIR
(responde só depois dela ter saído)
Tchau…
Dejacir senta outra vez, pega uma revista. Deita o rosto sobre a revista e começa a chorar. Fica assim alguns segundos. Levanta a cabeça, os olhos ainda estão lacrimejando.
DEJACIR
(procurando algo ao redor)
Que porcaria de consultório é esse que não tem lenço de papel na sala de espera?
Levanta, tenta abrir a porta do consultório, desiste e volta para um lugar num canto.
Entram Samatha e Jarbas no consultório juntos.
SAMANTHA
…E o cara não parava de me encarar!
JARBAS
Um idiota! Bonitinho, mas idiota!
SAMANTHA
E o que foi aquela história de “dejavu”?
JARBAS
E você viu que antes da gente chegar ele estava “dando em cima” da faxineira?
SAMANTHA
O sujeito é muito cara-de-pau! Tentou me paquerar na tua frente!
JARBAS
Vai ver ele percebeu que eu… Sabe, né?
SAMANTHA
Não interessa, não é? Falta de respeito, eu, acompanhada, ele, “cantando” a faxineira…
Os dois sentam e continuam a conversa.
SAMANTHA
Será que é aqui?
JARBAS
É sim, só não conheço ela, uma tal de Dra. Vália…
SAMATHA
Nome estranho, não é?
JARBAS
Sabe quem esse cara aí do corredor me lembrou? Aquele nosso colega que era apaixonado por ti e não te deixava em paz, lembra?
SAMANTHA
Nem me fala, que cara mais “sem noção”! O cara ainda não largou do meu pé! Faz dois meses que eu já expliquei que não queria nada com ele e ele ainda insiste! Abri meu e-mail ontem e ainda tinha umas 10 mensagens do cara!
Dejacir ao ouvir o comentário, olha para os dois. Os dois percebem Dejacir, ainda muito triste e fungando e ficam conversando sobre ele.
JARBAS
(fala baixinho para Samantha)
O que será que aconteceu?
SAMANTHA
Quieto! Não incomoda o coitado!
DEJACIR
(ouvindo)
Não se preocupem comigo, vou ficar bem… Coisas do coração.
JARBAS
Pois é, acontece…
SAMANTHA
(solidária)
O Jarbas toda semana se apaixona por alguém, garanto que é bobagem, isso passa! Não precisa ficar assim.
JARBAS
(olhando para Samantha)
Eu é que me apaixono, é?
SAMANTHA
Veio aqui para uma consulta?
DEJACIR
Não, já estou de saída. A Dra. Vália está para chegar, pelo que me disseram. Ouvi vocês falarem o nome dela. Mas pelo que eu sei, ela cancelou as consultas hoje.
Dejacir levanta, bastante abalado ainda.
DEJACIR
Acho que já vou indo.
JARBAS
Vê se fica bem!
Dejacir levanta e vai na direção da porta. Encontra Marcos que vem entrando
MARCOS
Isso já aconteceu hoje! “Dejavi”!
DEJACIR
É “dejavu”! Estou indo, tchau!
Dejacir sai
SAMANTHA
(fala baixinho)
Ah, não!
JARBAS
(também fala baixinho)
Se ele tentar de passar uma cantada eu vou embora!
MARCOS
Oi, garotinha linda… Sentiu saudade de mim?
SAMANTHA
Você não tem vergonha, não?
MARCOS
Não fica assim, quando a gente se conhecer melhor você vai ver que eu sou uma ótima pessoa!
JARBAS
Sei…
MARCOS
Principalmente na cama!
SAMANTHA
Ah, que nojo!
JARBAS
A gente vai embora, com licença!
Marcos vai até a porta do consultório e dá umas batidinhas na porta. Espera a resposta. Jarbas levanta e puxa Samantha, que resiste um pouco.
SAMANTHA
Espera, nós temos hora marcada.
JARBAS
(fala baixo, mas não muito)
Eu me recuso a ficar aqui com este imbecil! Além disso o outro cara disse que a Dra. Vália cancelou as consultas!
MARCOS
Não precisa ir embora não, já estou saindo, só vim ver se a Dra. Vália já chegou, estou esperando por ela. Sabe como é, se não vai com uma, vai com a outra!
(faz um movimento obsceno com a cintura).
Marcos vai até aporta e pára antes de sair, para se dirigir a Samantha.
MARCOS
Não sabe o que perdeu, menina!
Marcos vai embora.
JARBAS
Nossa! O que foi isso? Consultório de doido?
SAMANTHA
Eu nem queria vir, mas agora que marquei hora vou ficar, pode ser engano do outro cara.
JARBAS
Ah, o problema das mulheres de hoje: paixão, paixão e paixão! Depois de uma paixão vem outra, Samantha! Deixa de ser uma coitadinha!
SAMANTHA
Você sabe que não é bem assim, não é uma paixão qualquer… Ele foi meu professor… Eu nem queria mais nada, o semestre todo ele ali, pertinho de mim e agora não vai ser mais meu professor…. Eu só queria um beijo ou um abraço! Nem isso eu consegui, fiquei morrendo de medo. Fiquei travada! No último dia eu até cheguei perto, disse “Bom, professor, adorei tuas aulas, queria me despedir”…
JARBAS
Eu sei, não precisa me contar eu estava lá, lembra? Foi patético! Por que não agarrou e deu logo um beijo nele? O que ele podia fazer?
SAMANTHA
É fácil falar, mas você também vive apaixonado e faz o quê?
JARBAS
Mas paixão pelo mesmo sexo é bem pior, amiga… Posso garantir para você que não é a mesma coisa. Que homem iria recusar um abraço ou beijo de você?
SAMANTHA
Ah, mas e a coragem?
JARBAS
Coragem precisa ter para gostar de alguém do mesmo sexo. De outro sexo, qual é o problema? O que podia acontecer?
SAMANTHA
Ele ficar chateado comigo, sei lá. Não sei, não sei. Não rolou nem aperto de mão…
JARBAS
Pelo menos aceitou meu conselho e veio até aqui, você vai ver como é bom… Paixão é bobagem, passa logo, mas você passou esses meses todos muito para baixo! Precisa tocar a vida para frente! Esquece ele!
SAMANTHA
Eu não consigo esquecer dele. É horrível mesmo.
JARBAS
É, tudo bem…
Jarbas e Samantha param um pouco de conversar.
JARBAS
Que horas serão?
SAMANTHA
Quase quatro horas, eu acho.
JARBAS
Eu tinha de ir no banco! Será que dá tempo?
SAMANTHA
Eu não vou ficar aqui sozinha! E se aquele sujeito nojento voltar e tentar me agarrar?
JARBAS
Vamos, vem comigo, dá tempo, a gente ia ficar esperando um tempão, chegamos muito cedo!
SAMANTHA
Está bem, sozinha, aqui, eu não fico mesmo…
Os dois saem.
Nota do autor: Esta cena foi originalmente escrita para terminar assim que as psicólogas entram no consultório e havia sido criada para ser a última da peça. Se você achar interessante a proposta original, fique à vontade para deslocar a cena para o fim. Caso contrário, a parte de “sons e gemidos” deve permanecer, porque foi acrescentada para dar a idéia de passagem de tempo.
Chega a Dra. Vália no consultório, entra com um molho de chaves na mão, vai organizando o consultório, colocando mesa, cadeiras e revistas em forma mais aprumada antes de abrir a sala do consultório e entrar lá dentro. Ela veste uma roupa longa que possa ser tirada facilmente como um “jaleco” de hospital ou coisa assim. Assim que ela entra no consultório, entram também Mônica e logo a seguir Dra. Nádia, conversando, como tivessem se encontrado por acaso no corredor.
DRA NÁDIA
… Ah! Que saudade da minha turma!
MÔNICA
Eu fui aluna da Profa. Matilde, pegou ela como professora?
DRA NÁDIA
Ah! Sim, para mim foi minha melhor professora de toda a vida!
MÔNICA
Pena que não fomos colegas!
DRA NÁDIA
Está formada a quanto tempo, mesmo? Não lembro de você por lá…
MÔNICA
Eu tinha de fazer esse trabalho enquanto terminava a faculdade, não ficava muito pelos corredores.
DRA. NÁDIA
(começa a tirar uma peça de roupa)
Que pena, podíamos ter sido amiguinhas…
Mônica se aproxima de forma sensual e começa a ajudar a Dra. Nádia com a roupa. Dra. Nádia também começa a tirar a roupa de Mônica
MÔNICA
Mas agora podemos compensar o tempo…
As duas continuam tirando a roupa uma da outra, embora não fiquem nuas, usam roupas muito sensuais ou provocantes por baixo da roupa que já tiraram. Elas começam a se abraçar e a beijar mão, braços e depois o pescoço uma da outra. A porta do consultório se abre de repente.
DRA. VÁLIA
O que é isso? O que vocês estão fazendo aqui na sala de espera?
Dra. Nádia e Mônica param imediatamente o que estão fazendo.
DRA. VÁLIA
Por que começaram sem mim, suas vadias?
Dra. Vália tira sua vestimenta e está vestida com ropupas de couro pretas, provocantes, tem um chicote na mão, que antes não era percebido, usa vestimentas típicas de práticas sado-masoquistas.
DRA. VÁLIA
(estalando o chicote)
De quatro, já! Beijem minha mão!
DRA. NÁDIA E MÔNICA
Sim, Dominatrix!
Dra. Nádia e Mônica se aproximam e ficam de quatro na frente de Dra. Vália, lambendo e beijando sua mão.
DRA. VÁLIA
(ainda estalando o chicote)
Aqui não, suas cadelas, lá dentro! Pode chegar algum paciente por engano!
As duas entram para o consultório, Dra. Vália entra depois e fecha a porta.
Nota do autor: se esta for a cena final, a peça acaba aqui. Caso tenha sido colocada no meio da peça a cena prossegue da seguinte maneira: a luz é diminuída, luzes vermelhas e piscantes começam a girar pelo palco, ruídos de chicotes e gemidos são escutados, cada vez mais alto e mais rápidos, até terminarem em gemidos que lembre orgasmos.
Quando isso terminar, de repente, imediatamente as três saem lá de dentro, totalmente vestidas, como se nada tivesse acontecido, passam a chave na porta do consultório, saem pela porta, alguém estica a mão para apagar a luz, a luz é apagada e aporta fechada.
Alguns instantes são passados no escuro em silêncio até ser ouvido barulho de chave na fechadura. A porta é aberta devagar, uma mão procura o interruptor de luz, acende a lâmpada e entra uma faxineira, Crislaine, carregada de apetrechos de limpeza, entre eles uma vassoura, esfregão e um balde.
Crislaine anda carregada destes apetrechos até a porta de entrada para o consultório, larga tudo no chão, dá umas batidas na porta para verificar que não há ninguém lá dentro.
CRISLAINE
Faxina! Tem alguém aí dentro?
Ela dá novas batidas na porta, espera alguns instantes, coloca a chave na fechadura, abre a porta, espia lá para dentro, passa alguns dos apetrechos para dentro do consultório (a vassoura, principalmente) enquanto Marcos abre a porta do corredor para a sala de espera e entra devagar.
MARCOS
Tudo limpo?
CRISLAINE
Ainda não, acabei de chegar!
MARCOS
Não, eu quis dizer: tem alguém aí dentro?
CRISLAINE
Não! Está tudo certo, hoje não vai ter mais nada aqui, não te falei? Quando eles não vão voltar colocam o aviso no quadro para nós, da faxina…
MARCOS
Ah, que bom!
Marcos corre até Crislaine e a abraça por trás, braços em volta de sua barriga e beija seu pescoço
CRISLAINE
(tentando se soltar)
Espera aí um pouco, vamos fechar a porta!
MARCOS
(insistindo em agarrar Crislaine)
Não precisa! Não vai entrar ninguém
CRISLAINE
(se solta dele)
Melhor ir lá para dentro, não quero perder meu emprego!
MARCOS
Espere aí, vamos pegar umas revistas.
CRISLAINE
Que hora mais esquisita para uma leitura!
MARCOS
Não é nada disso, sua tolinha!
Marcos vai até a pilha de revistas e escolhe algumas, pega uma ou duas.
MARCOS
Lembra daquilo que a gente combinou?
CRISLAINE
Claro, tenho de fingir que sou “médica de cabeça” que nem as duas que trabalham aqui.
MARCOS
É “psicóloga”!
CRISLAINE
Não sei falar isso sem enrolar a língua. Não posso ser a faxineira?
MARCOS
Não! Toma, lê essas coisas da capa para mim! Faz de conta que sou teu paciente. Fala assim: “você tem transtorno obsessivo-compulsivo”!
CRISLAINE
(pega uma revista e tenta ler a capa)
Isso não vai dar certo…
MARCOS
Fala alguma coisa para mim, diz que eu tenho um sintoma e que só um tratamento sexual pode me curar!
CRISLAINE
(folheando a revista, lê a capa)
Você tem trans… torno obses… Sivo… compul… Sivo
MARCOS
(age como ficasse excitado)
Ah! Isso! Fala mais, vai lendo aí e dizendo o que eu tenho!
CRISLAINE
Você tem… Ansiedade…?
MARCOS
(mais excitado)
Ah! Isso continua, não pare!
CRISLAINE
(continua lendo, ganhando confiança)
Você tem distúrbio de aprendizagem!
MARCOS
(volta a abraçar Crislaine por trás)
Mais! Mais!
CRISLAINE
Você tem gravidez psicológica!
Marcos solta Crislaine e pega a revista da mão dela, jogando longe.
MARCOS
Deixa, esquece isso, só repete assim: “vem cá se tratar, meu doente mental”
CRISLAINE
(obedecendo, mas sensual)
Vem cá se tratar, meu doente mental…!
MARCOS
É hoje! Finalmente vou me tratar completamente!
Crislaine vai se afastando em direção a porta do consultório, de foram muito sensual, começando a retirar partes de seu uniforme de faxineira e Marcos vai atrás, desabotoando a camisa, entram os dois e fecham a porta.
Nota do autor: a cena prossegue com os mesmos efeitos de luz e som da cena “O QUE ELAS REALMENTE FAZEM LÁ DENTRO ENQUANTO ESPERAMOS AQUI FORA”
A luz é diminuída, luzes vermelhas e piscantes começam a girar pelo palco, ruídos de gemidos são escutados cada vez mais alto e mais rápidos, até terminarem em gemidos que lembre um orgasmo. Quando isso acontecer, a iluminação e o som voltam ao normal.
Victor entra na sala de espera e senta, Crislaine está espiando pela porta entreaberta. Victor pega uma revista para ler. Entra em seguida o Professor. Ambos se cumprimentam discretamente e educadamente. O Professor também procura uma revista para ler. Alguns instantes depois, Marcos e Crislaine saem do consultório.
MARCOS
(tentando disfarçar, fala com Crislaine)
Muito obrigado, doutora!
CRISLAINE
(não entendendo muito bem, mas respondendo)
Não foi nada!
VICTOR
Oi, eu sou o Victor, vim para o grupo de apoio… Me indicaram a Dra. Vália, não sei se o nome está certo…
PROFESSOR
Eu também estou aqui para o grupo de apoio… A senhora é a Dra. Vália?
CRISLAINE
(feliz de ter sido confundida com uma psicóloga)
Eu?
MARCOS
Isso mesmo! Eu também estou na terapia de grupo, Estava na minha sessão individual…
VICTOR
Já deve estar na hora, já passam das quatro horas.
MARCOS
Bom, então vamos conversar, cada um fala seu nome, o que veio fazer aqui e pronto!
PROFESSOR
Aqui na sala de espera?
MARCOS
É que lá dentro é mais apertado e o ar condicionado não funciona muito bem, sabe como é… Não é doutora?
CRISLAINE
É?
MARCOS
Vamos nos sentar e começar. Quem é o primeiro?
Todos sentam e se acomodam, Crislaine é a última, tenta sentar no colo de Marcos, mas é empurrada para uma outra poltrona ou cadeira.
VICTOR
Bom, eu… Eu posso começar… Meu nome é Victor… Estou com problemas com minha faxineira…
MARCOS
Ah que problema sem graça… E você? Qual o seu problema?
Marcos olha na direção do professor.
PROFESSOR
Sou professor… E eu estou envolvido, melhor, apaixonado por uma aluna…
MARCOS
E…?
PROFESSOR
Só isso.
MARCOS
Mas a vida particular dos professores é problema de cada um! É só isso? Acho que pode ser dispensado! Está curado! Tchau!
PROFESSOR
Só isso? Achei que devia falar mais.
MARCOS
Mas está acontecendo algum problema?
PROFESSOR
Não, nenhum…
CRISLAINE
Você é casado ou tem namorada?
PROFESSOR
Saio com algumas amigas, tenho vários encontros, mas não tenho nenhum relacionamento com ninguém.
MARCOS
Ela é bonita?
PROFESSOR
É linda.
MARCOS
É… Jovem?
PROFESSOR
Mais do que eu.
CRISLAINE
Muito mais?
PROFESSOR
Faz diferença?
VICTOR
(interferindo)
Se for suficiente para causar algum constrangimento…
PROFESSOR
(falando para Marcos)
E você faz o que aqui?
MARCOS
(pensa um pouco)
Psicólogas!
VICTOR
Apaixonado por uma psicóloga?
MARCOS
Muitas!
PROFESSOR
Muitas?
MARCOS
Quis dizer “muito”.
CRISLAINE
Bom, acho que eu preciso ir embora…
VICTOR
Ir embora? E o nosso grupo?
MARCOS
Ela teve uns problemas, nem ia haver grupo hoje.
VICTOR
Mas eu nem falei da minha faxineira
MARCOS
Então fala! É gostosa?
VICTOR
(meio constrangido com Marcos)
Não gosto de falar dela assim desse jeito! Sou muito apaixonado por ela!
CRISLAINE
(meio ofendida)
Mas qual é o problema? Faxineira também é gente! Qual é o problema em ser chamada de gostosa?
VICTOR
Mas ela é casada… E eu também! Eu morro de paixão por ela, não consigo esquecer dela, penso nela o tempo todo!
CRISLAINE
Nossa! Que safado!
MARCOS
Não há nada de errado nisso, mas é bom ser discreto.
VICTOR
Discreto?
MARCOS
É… Pra sua mulher não descobrir, entende? Conheço um lugar…
PROFESSOR
Por isso que eu estou aqui, também! Todos me dizem para ser discreto com minha aluna… Aí eu fico pensando: se é para ser discreto então devo estar fazendo algo errado ou feio!
MARCOS
Fala a verdade, vocês estão tendo um caso, não é?
PROFESSOR
Não está acontecendo nada, só não consigo parar de pensar nela.
CRISLAINE
O que você sente por ela?
PROFESSOR
Quando ela era minha aluna, eu ficava admirando o brilho do olhar dela. Acho que Podia ficar ali, olhando, parado por dias e dias aquele olhar.
CRISLAINE
Xi! Esse deve ser veado!
MARCOS
Mas porque não tentou agarrar ela?
PROFESSOR
Está maluco? Posso perder o emprego!
MARCOS
Perde não, vai ver ela até queria! Não sabe como são as mulheres!
VICTOR
Deixa o cara, deixa de ser depravado, meu!
MARCOS
Fala sério, aqui entre nós, segredo absoluto: Tem certeza que não aconteceu nada? Nem passou a mão nela?
PROFESSOR
(ficando irritado)
Claro que não! Nada! Nem abraço de despedida!
VICTOR
Isso seria assédio sexual, podia dar cadeia!
MARCOS
Ou casamento, que é muito pior!
CRISLAINE
Bom, a conversa tá boa, mas preciso ir trabalhar!
VICTOR
Mas não deu nem cinco minutos!
CRISLAINE
Ah! Dei, sim!
MARCOS
(tentando consertar)
Ela quis dizer que esta sessão inicial é só cinco minutos, hoje, apenas para a gente se conhecer! Na semana que vem a gente tem uma sessão completa com a outra Dra. Vália
PROFESSOR
Outra? Que coisa esquisita!
MARCOS
Mas também tem vantagem! A primeira é grátis!
CRISLAINE
Grátis? O que foi que a gente combinou, seu cachorro?
MARCOS
Aquilo foi outra coisa, Crislaine…
VICTOR
Teu nome é Crislaine?
MARCOS
Não, eu me enganei, Crislaine é… É… É o nome da minha faxineira!
VICTOR
Que coincidência! Minha faxineira tem uma irmã que trabalha aqui nesse prédio como faxineira… E o nome da irmã dela é Crislaine!
CRISLAINE
Então é você que quer comer a minha irmã, seu cachorro!
VICTOR
(não entende)
Como é que é?
MARCOS
Não foi nada não, acho que ela está em um processo de transferência! Está simulando que é a irmã da tua faxineira para tentar… Para tentar…
VICTOR
Para tentar…?
MARCOS
Esqueci completamente o que eu ia dizer! Ah, esses termos técnicos! Não tem aí uma revista que explica essas coisas?
Dejacir entra pela porta.
DEJACIR
Opa, estou interrompendo alguma coisa? Vim para o grupo de apoio!
MARCOS
Dejacir? De novo?
DEJACIR
Um pessoal lá embaixo veio perguntar o que eu tinha, daí quando contei minha estória, me indicaram que eu viesse numa reunião que tem aqui. Uns doidos que se apaixonam demais, uma coisa assim.
PROFESSOR
Pessoas que Amam Demais.
MARCOS
Ah, é… Mas já acabou. Chegou tarde, que pena!
DEJACIR
Acabou? Puxa… Engraçado, me disseram que começava as quatro…
(olha o relógio, coloca no ouvido e sacode o relógio)
Esse relógio continua maluco!
MARCOS
Dra. Vália, a senhora estava indo embora, lembra?
Crislaine está distraída. Marcos se aproxima e lhe dá um cutucão e repete a pergunta.
MARCOS
Dra. Vália, a senhora estava indo embora, lembra?
CRISLAINE
Está bem. Cadê o dinheiro?
MARCOS
(tira do bolso umas notas)
Está aqui.
Victor e Professor vêem Marcos pagando e também tiram dinheiro do bolso e pagam. Marcos olha o relógio preocupado com a hora.
CRISLAINE
(achando que eles querem sexo)
Vocês também vão pagar? Eu não quero esse dinheiro, só faço isso por amor e com quem eu simpatizo.
Marcos pega o dinheiro e enfia na mão de Crislaine a força.
MARCOS
Não precisa fazer nada não, está atrasada!
CRISLAINE
Está bem, mas não precisa empurrar!
MARCOS
(tentando forçar a saída de Crislaine)
Tchau Dra. Vália… Sua colega aquela já deve estar chegando, vamos rápido com isso!
CRISLAINE
Homem é sempre assim, depois que conseguem o que querem, tratam a gente que nem faxineira.
Crislaine abre a porta do consultório para pegar os apetrechos de limpeza que estavam lá dentro. Chaveia a porta e vai na direção da porta de saída.
PROFESSOR
Para que essa vassoura?
CRISLAINE
Ora, é que…
MARCOS
(forçando uma piada)
Ela é especialista em doido varrido, Ah! Ah! Ah! Ah!
Eles sorriem por educação.
MARCOS
(tentando explicar)
A faxineira esqueceu dentro do consultório, ela vai devolver…
DEJACIR
(parando a faxineira)
Eu não conheço você? Não vi você no corredor antes?
MARCOS
Dejacir, você está com problema de memória, não lembra?
DEJACIR
Não lembro, não!
MARCOS
Viu? Não falei? Não lembra!
CRISLAINE
Com licença, preciso ir…
Crislaine sai.
VICTOR
Também já vou, já que acabou cedo vou aproveitar e chegar mais cedo em casa, tchau para vocês! Prazer em conhecê-los!
MARCOS
Também tenho de ir, vou tentar a sessão de outra cooperativa. Essa daqui não tem psicóloga que me dê… a cura.
DEJACIR
Parece que com faxineira é mais difícil levar um fora, não é?
MARCOS
Engraçado! Parece que eu já tive essa conversa antes! Bom, tchau para vocês! “Dejavi”!
DEJACIR
“Dejavi” tudo!
Marcos sai.
DEJACIR
(sacode a cabeça negativamente, contrariado)
Que cara mais safado!
(grita abrindo a porta de saída)
É “dejavu”!
Dejacir sai. O professor arruma suas coisas para sair e quando está se virando para sair, Samantha abre a porta e entra.
SAMANTHA
Professor!
PROFESSOR
Samantha!
PROFESSOR E SAMANTHA
Fazendo o que por aqui?
Os dois riem da coincidência.
PROFESSOR
Perguntei primeiro!
SAMANTHA
Estou aqui com o Jarbas, lembra dele? A gente estava falando do senhor!
PROFESSOR
Muita coincidência… Eu acabei de falar de ti…
SAMANTHA
Que coincidência mesmo… Falou no consultório? Puxa, quanta honra… Pensei que nunca mais ia lembrar de mim!
PROFESSOR
Ah, estava falando sobre aulas, alunas…
Samantha larga a bolsa em algum lugar.
SAMANTHA
Alunas?
PROFESSOR
Alunos… Nada de especial
SAMANTHA
(decepcionada)
Ah!
PROFESSOR
E… Você?
SAMANTHA
Eu? Eu vou bem…
PROFESSOR
Não, não foi isso… Eu quis dizer: sobre o que você estava falando? De mim…?
Volta Jarbas com dois copos d’água e interrompe os dois sem perceber. Anda até o meio da sala. Os dois olham para ele, quando ele percebe quem está ali, ele dá meia volta e volta para o corredor fazendo de conta que não esteve ali.
PROFESSOR
Estava dizendo…?
SAMANTHA
Não me lembro!
PROFESSOR
Bom… Bom te ver…
SAMANTHA
É…
Novamente alguns momentos de silêncio.
PROFESSOR
(tentando quebrar o gelo e parecer simpático)
Você continua linda!
SAMANTHA
Obrigada…
PROFESSOR
Bom, acho melhor eu ir indo…
O professor vai saindo, mas é interrompido por Samantha.
SAMANTHA
Espere… Eu queria dizer uma coisa…
PROFESSOR
É?
SAMANTHA
É que eu… Sempre… Eu nunca…
A porta se abre e entra Crislaine na ponta dos pés, como se os dois não estivessem ali. Crislaine pega alguma coisa que estava no chão (uma escova de limpeza, por exemplo) e vai saindo, pé ante pé, imaginando que assim não está incomodando.
SAMANTHA
(fala baixinho)
Quem é essa doida?
PROFESSOR
(sem muita certeza)
Minha psicóloga…?
Ambos ficam olhando para a falsa psicóloga.
PROFESSOR
Dra. Vália?
CRISLAINE
Me ignorem, não liguem para mim, eu não estou aqui…
Crislaine sai. Os dois ficam achando estranho, ficam um tempo e silêncio.
PROFESSOR
(Ele se aproxima mais de Samantha)
Então… Você dizia…
SAMANTHA
É que…
Fica um certo silêncio no ambiente.
PROFESSOR
Eu também queria te dizer uma coisa…
Jarbas volta, abre a porta e dá batidinhas na porta para alertar que está ali…
PROFESSOR
Tudo bem, Jarbas?
Jarbas se aproxima e aperta a mão do professor
JARBAS
Oi, professor…
PROFESSOR
Como estão as coisas?
JARBAS
Bem… Acabei de receber o recado da faxineira, lá fora, dizendo que a terapeuta cancelou as consultas de hoje, vim ver se a Samantha ainda quer uma carona, está em cima da hora, tenho um outro compromisso…
PROFESSOR
(Se aproxima de Samantha para um abraço, mas hesita: não tem coragem de se aproximar dela)
Bom, não quero prender vocês… Também preciso ir! Tchau!
JARBAS
Tchau!
SAMANTHA
Tchau…
Professor sai, Samantha pega sua bolsa.
JARBAS
Então? Falou com ele? Aproveitou? Tentou beijar, agarrar, abraçar? Qualquer coisa?
SAMANTHA
Ah, não aconteceu nada… Ele não ia.. Ah, sei lá… Se quisesse tinha tentado algo. Deve me achar muito sem graça. Eu acho que nunca toquei o coração dele.
Os dois saem para o corredor, deixando a porta aberta.
FIM
© VICTOR M. SANT’ANNA – 2007